sábado, 2 de novembro de 2013

Lei 10.639/03 longe da realidade

Uma luta pela valorização e o ensino da cultura africana e afro-brasileira.

    A cultura africana era lembrada nas aulas de História, quase unicamente, quando se falava na escravidão negra no Brasil. Primeiramente, é necessário ter a noção do que significa a palavra "escravo". Sociológicamente, a palavra é relacionada ao trabalho, meios de produção e condições de trabalho. O que não podemos esquecer, é que ninguém nasce escravo. As pessoas não podem nascer escravos, se tornam escravos. Não por vontade própria, são escravizadas por não terem acesso ao que desejam e necessitam ter. O termo escravo passa uma ideia de que estar escravizado, é uma condição inerente ao ser humano. Além de possuir um termo pejorativo e preconceituoso, sem dúvidas. O negro africano, através do ensino da história, foi visto por várias décadas, como na condição de escravo passivo e submisso. 
    A lei criada em 2003 passa a ideia de uma reforma no ensino da História, os professores devem reforçar a cultura afro-brasileira e africana, ensinando e repassando a culinária, a dança, a organização político-espacial e as religiões africanas. Junto da lei 10.639, veio o Dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro), que reforça a ideia do combate ao racismo social e institucional. Lembrando da morte do combatente e líder quilombola Zumbi dos Palmares, como forma de intensificar o combate ao racismo. Após a lei 10.639/03 que mostrava caminhos para o ensino da cultura afro nas escolas, veio a lei 11.645/08, que torna obrigatório o ensino da cultura africana e afro-brasileira como um todo. Falando em todos os pontos de sua cultura, que tanto contribuiram para a formação da nossa. 
    Infelizmente, muitas escolas não cumprem a lei. Professores desatualizados insistem em ensinar a parte da história onde o negro é escravizado. Deixando para trás toda sua riquíssima cultura. Qual o motivo disso? É ridículo saber que o ensino da cultura afro não é repassado por alguns professores, porque acham que ensinar a história da cultura africana é simplesmente, ensinar o Candomblé. Primeiramente devemos esclarecer tudo. Não existe Candomblé em África! O Candomblé foi criado no Brasil, a religião, o culto, os rituais é que vieram da África. A religião africana, que não é homogênea, deve ser ensinada. Não é necessário se aprofundar no assunto. Basta apenas ensinar que as religiões africanas, as sociedades que lá existiam, são as mais antigas. Muitas vezes o preconceito existe por causa da ignorância. Quando não se conhece, acontece o pré-julgamento. Algumas crianças candomblecistas, tem medo de revelar sua fé, sua cultura e religião, por medo de ser ridicularizada e vítima de Bulliyng por colegas de sala. É difícil e tudo isso é por falta de informação.
    A lei existe e deve ser praticada. O ensino da cultura afro é obrigatório. Falar das comidas, da dança, da música, da organização econômica, política e social é importante. E com certeza, deve-se falar sobre as várias religiões da África. É necessário uma fiscalização nas escolas a respeito da lei. Uma cultura que na diáspora foi tão marginalizada, tão devastada e, sobretudo, modificada, deve ser ensinada como realmente é.
Texto de Victor Matheus, autor do blog e administrador da página Portal do Yawô no Facebook.
 
                                     Até a próxima, prosperidade e bençãos no seu caminho.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Ìyámassè Málè: a rainha de Oyó, a mãe do fogo

    Negar sua existência é impossível. A matriarca do fogo, a verdadeira rainha de Oyó: Tòrosi. A ancestral do fogo, do raio, a esposa de Òranmìyàn: o primeiro Aláàfin de Oyó. Tòrosi foi rainha de Nupe, filha do rei Elempè. Ela também é conhecida como Ìyámasse Málè. Ela é a mãe de Sàngó, o terceiro Aláàfin de Oyó.
    Tòrosi possui característica de uma estrategista. Princesa herdeira do trono de Nupè, ensinou Sàngó a ser rei. O Eterno rei de Oyó, faz parte da família do fogo, que denominarei aqui como "Ègbé Ìná". Por isso, ela deve receber o título verdadeiramente de rainha de Oyó. Que era um reino com características de império dentro da Nigéria. Politicamente, tudo acontecia em Oyó. Por isso, para a cultura nigeriana, o grande e supremo Aláàfin é de lá. 
    Não se pode saber mais coisas sobre esta divindade, devido à perseguição religiosa, o culto às divindades africanas sofreu transformações significativas. Muitas divindades perderam seu culto, causando um enorme e irreparável prejuízo em nossas tradições. O culto à Ìyámasse se perdeu ou foi "esquecido", dando espaço para Yemojá na diáspora, ser cultuada como mãe de Sàngó. Não podemos culpar ninguém. Nossa tradição sobreviveu até hoje pela oralidade. Sem este milenar meio de comunicação, o Candomblé não existiria, os orixás não seriam cultuados e toda a história e cultura de um povo há milhares de anos, estariam perdidos. Através do repasse dos Itàns (histórias/lendas) é que a "Resistência Negra" existe.
    Quando atribuiu-se à Yemojá o título de mãe de Sàngó, não foi por vaidade. Foi por necessidade. De qualquer maneira, Ìyámasse continua viva. Um filho não pode viver sem seus pais. (Talvez por isso exista a extrema necessidade de atribuir a alguém a maternidade do terceiro rei de Oyó.) Quando se louva a Sàngó, estamos louvando toda a Ègbé Ìná. Que podemos dizer que, sem dúvidas, participam desta família os orixás: Sàngó, Òranmìyàn, Ìyámassè Málè, Àiyrá e outras divindades. Grande parte dos orixás cultuados no panteão do fogo - ìná, também são cultuados na família dos raios - ààrá.
    O que não podemos esquecer, mesmo não tendo mais rituais para se cultuar Tòrosi, é que ela está presente em tudo que fazemos. Principalmente para quem carrega os odús (caminhos) de Sàngó e sua família sobre a vida. Na diáspora africana, muitos cultuam Ìyámassè Málè, como uma "qualidade" de Yemojá, assim como muitos fazem com o orixá Oko, que é confundido como uma "qualidade" de Òsáàlá. O que não podemos deixar que se perca de uma vez por todas, é o culto aos orixás que já cultuamos e que os que infelizmente se perderam, por um processo quase devastador de nossa religião, através do tempo, do cruzamento do Atlântico e pela opressão da sociedade arcaica, cristã e preconceituosa da época se percam na memória dos mais antigos. Tòrosi não pode ser cultuada, mas, pode ser louvada. E é isso que deveríamos fazer. Buscar forças, ensinamentos e itàns para louvar a divindade mãe do fogo e verdadeiramente, de Sàngó. Quem anda sobre os caminhos de Ìyámassè Málè, possui o dom de dominar. Possui em suas mãos, a natureza do fogo, o poder sobre o controle da natureza e dos homens. Politicamente, ela é uma sábia que entrega à seus filhos, parte de seus ensinamentos. 
Agò òrisá, mo ki ò ayabá! Olú Ìná, Olú Ààrá, Ìyá mi mímó
(Com sua licença orixá, meus respeitos rainha! Dona do fogo, dona dos raios. Minha mãe sagrada.)
Texto de Victor Matheus, autor do blog e administrador da página Portal do Yawô no Facebook.
*A imagem é de autoria da página Guto Reason no Facebook.
                                                                       Até a próxima, bençãos e prosperidade à todos!

7ª Caminhada de Terreiros de Pernambuco: por uma sociedade mais tolerante

    Pernambuco tem um dos maiores índices de candomblecistas no Brasil. No Nordeste, sem dúvida, só fica atrás da Bahia: o pedacinho da África no Brasil. Embora a comunidade de terreiro seja grande, não era tão forte assim. Sofrendo desde séculos passados, ações preconceituosas de grande parte da sociedade.         Candomblé era e até hoje é visto por alguns, como culto aos demônios. Diante disso, as comunidades tradicionais de terreiros de Pernambuco se uniram, convergindo numa ideia, comungando de um mesmo propósito: intensificar o combate da intolerância religiosa e aumentar a conscientização tanto do povo de terreiro, quanto da sociedade, que muitas vezes comete intolerância religiosa por ignorância.
    A Caminhada ocorre no centro do Recife - capital do Estado - onde percorre várias ruas da cidade. A Caminhada também é uma forma de manifestação, onde o povo de matriz africana exige seus direitos. A Caminhada dos Terreiros é em homenagem à Ògún: o òrìsá dos caminhos; aquele que abre todos os caminhos para que possamos passar. É o nosso temível, amado e implacável guerreiro, o patrono da Caminhada.
    Anualmente na primeira semana de novembro, a Caminhada arrasta milhares de pessoas, louvando, dançando para seus Òrìsás/Nkissis/Voduns e enaltecendo a cultura e diversidade do Candomblé através de toda a indumentária africana. Cada um se veste à caráter de um culto religioso - mais uma forma de acabar com uma visão preconceituosa, marginalizadora que muitos ainda custam ter. Grandes nomes do Candomblé de Pernambuco participam da Caminhada todos os anos. A Ìyalóòrìsá Elza t' Yemojá, Bàbálóòrisá Ademir t' ÒlóògúnÈdé, Fernando t' Odé, Cleyton t' Òsún e tantos outros. Além, é claro, de toda a comunidade de terreiro de Recife, Olinda e todas as cidades do Estado que comparecem, convergindo cada vez mais para uma sociedade sem preconceitos e intolerância religiosa.
    Pernambuco está caminhando para um Estado Laico e com diversidade religiosa tolerante. O Candomblé, sem dúvidas, tem sua participação assídua neste processo. São vários eventos em pról da cultura africana. Este ano (2013), a Praça do Arsenal do Recife - Marco Zero, foi palco da 7ª Exposição Culinária Afrobrasileira no Ciclo Junino, também em Junho, ocorreu a Festa do Fogo em homenagem à Sàngó. No fim do ano, na praia do Pina também no Recife, acontece as entregas das Panelas de Yemojá, momento histórico e sagrado para o povo de Candomblé.
    "Nas ruas do Recife, em meio às comemorações de Junho, acontece nossa Exposição. Este evento traz as possibilidades e similaridades da Gastronomia Tradicional e as dos Terreiros. [...] Daí surgiu a ideia de contarmos como tudo isso acontece, onde apesar dos ritos diferentes, convergíamos; tivemos como resultado, um misto de Festejos regados a aromas e sabores jamais vistos em nosso Estado." - Mãe Elza de Yemojá Ògúnté, Ìyálòrìsá do Ilé Àsé Ègbé Awò (Casa dos Segredos).
    É assim que a comunidade de terreiro de Pernambuco cresce, converge e se fortalece cada vez mais. A cada ano, a Caminhada só faz crescer em número e tomar proporções interestaduais. É desse jeito que o Candomblé prospera. É dessa maneira, lutando, se manifestando socialmente da maneira correta, agindo judicialmente e popularmente contra o preconceito, intolerância religiosa, racismo, marginalização social, religiosa e econômica que nosso povo deixará de ser oprimido diante de ignorantes, alienados e preconceituosos arcaicos. Assim como na Caminhada de Terreiros de Pernambuco, Ògún passe na frente e abra todos os seus caminhos. Que Òlóòrún e todos os Òrìsás nos abençoe.
Texto: Victor Matheus, autor do blog e Omo Òrìsá t' Òsún.